quinta-feira, 25 de março de 2010

Amor Condicional



Ouve-se muito a respeito do tal de amor incondicional. No entanto, o que mais encontramos nesse mundo está bem longe disso: trata-se do amor condicional. Quando penso nesse assunto, lembro-me de uma frase do economista Milton Friedman (1912-2006): “there is no such thing as a free lunch” (em português, “não existe almoço grátis”). Isso significa que para tudo existe um preço, ou seja, nada é de graça.

Aplicando o conteúdo dessas palavras em diversas esferas da vida, é mais ou menos como se tivéssemos que sempre dar algo em troca às pessoas que nos cercam para conseguirmos a aprovação e a estima delas. Exemplos não faltam: o sujeito só ajuda o colega a fazer o relatório porque esse colega vai quebrar um galho para ele posteriormente; a menininha só empresta a caixa de lápis de cor para a coleguinha porque ela costuma dividir a merenda; o namorado só faz massagem na namorada porque ela prepara o prato preferido dele. Isso não tem fim.

Comportamentos tão corriqueiros como esses acabam sendo praticados em áreas mais subjetivas. Logo, parece que sentimentos profundos só brotam em nós quando, de alguma maneira, vislumbramos obter uma vantagem em demonstrá-los a alguém. Será que o amor virou uma espécie de moeda na transação de “serviços”? Sim, porque esse tipo amor apenas finge ser incondicional; quando a máscara dele cai, vimos todas as cláusulas que o norteiam. Tenho a sensação de que o amor verdadeiro, aquele realmente incondicional, livre de contratos, é artigo de luxo.

Na jornada em busca de algo verdadeiro, é inevitável que a ilusão cruze o nosso caminho. Aí, esbarramos no amor condicional, o qual possui muitos disfarces. Quase no final do filme “Closer – Perto Demais”, há um diálogo entre Dan (Jude Law) e Alice (Natalie Portman) que acho emblemático. Após terem um sério desentendimento, ele fala a clássica frase “eu te amo”. Eis a resposta dela: 

Onde? Me mostre. Onde está esse amor?
Eu... Eu não consigo vê-lo.
Tocá-lo.
Senti-lo.
Consigo ouvir algumas palavras.
Mas não posso fazer nada com suas palavras fáceis.
 
Mais uma amostra de como o amor contratual é extremamente instável: há demasiada cobrança e fragilidade, e, ao menor sinal de encrenca no horizonte, a tendência é de que as pessoas “se mandem” e não fiquem para tentar apagar o incêndio. Há um provérbio chinês que diz mais ou menos assim: “ame-me quando eu menos merecer, pois é quando eu vou mais precisar”. Quem realmente prega isso? Afinal, é muito fácil “amar” quando tudo está bem e a pobreza e a doença estão a quilômetros de distância. Talvez o exemplo de amor que chegue mais próximo do incondicional é aquele que uma mãe ou um pai sente pelos filhos. E, ainda assim, infelizmente, também não faltam relatos sobre o desvirtuamento que o amor sofre nesse tipo de relação.

Tem algo de errado nessa história toda. Será que amamos certo? Porque não é possível haver tanta desilusão em nossas interações. Amor não deveria ser sinônimo de dor (peço desculpas pela rima). Então, como acabar com o descaminho que um sentimento tão nobre acaba sofrendo? Bem, o caminho é complicado: acredito que seja amar sem esperar nada em troca. Mas como se faz isso? Dúvida cruel...

Crescemos, passamos por diversas experiências, levamos puxadas de tapete e percebemos que só podemos realmente contar conosco (com raríssimas exceções, raríssimas mesmo). Aprendemos a duras penas que é uma grande cilada colocar nossa necessidade de nos sentirmos amados nas mãos de outras pessoas. Afinal, elas entram e saem de cena o tempo todo no palco das nossas histórias.

Assim, chegamos ao terreno do amor próprio. Para mim, esse é o amor que não poderia, em hipótese alguma, ser condicional. Não podemos permitir que o amor que dirigimos a nós mesmos só aconteça se acharmos que somos dignos de merecê-lo. Devemos nos amar independente de qualquer coisa porque nós somos tudo o que temos. É por isso que devemos encontrar maneiras de alimentar verdadeiramente esse bem querer. Dessa forma, amar os outros sem esperar nada em troca pode ser algo viável. Quem sabe agindo assim possamos encontrar o caminho para a felicidade genuína.

No fim das contas, para rompermos o círculo vicioso que suja tanto a imagem do amor – pois o que mais vemos por aí são meros disfarces de amor – temos que encarar o desafio de nos aceitarmos de peito aberto. Creio que essa é a chave para que consigamos amar certo, ou menos errado, pelo menos. Colocar contra a parede a máxima de que “não existe almoço grátis” está em nossas mãos.

4 comentários:

  1. Anninha: o amor - ou a sua inexistência - é cultural. Desde a pré-história que o ser humano debate-se com essa questão, mesmo que inconcientemente. Durante muito tempo, o amor foi moeda de troca, pois a mulher era um objeto. No tempo dos cavaleiros, surge o amor cortesão, ideal de virtude numa época conturbada. No século XX, o amor atualiza-se, acompanha a evolução do capitalismo. Nos dias de hoje, do mundo globalizado, não poderia ser diferente: como todos querem ser famosos a qualquer custo, aparecer no Big Bóstia e, depois, numa revista de nus, o amor é o reflexo de toda essa conjuntura - é condicionado por ela. O amor incondicional, ao lado do seu parceiro (o condicional), também é cultural. Mas alcançá-lo demanda muito trabalho, leitura e reflexões. Não está ao alcance de todos; apenas, talvez, daqueles que acreditam que o amor pode ser encontrado em outras vertentes: o amor pelo próximo, o despojamento, o sentido de missão. Para alcançar o amor incondicional, há que comprender o universal para, assim, chegar ao particular. Se não for assim, o amor dos nossos dias não passa de mais um produto nas prateleiras. Basta escolher o "kit" que mais nos convém. Aceitar o "amor de pacotilha" com todas as "posturas" nele incluídas, sem quaisquer questionamentos. Talvez por isso, ontem, hoje e sempre, o "amor incondicional" dependa apenas de nós mesmos.

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  2. Muito obrigada pelo comentário, Sasha! Sinto que estamos vivendo uma época de transição no entendimento do que é o amor nos dias de hoje. Parece que ainda estamos meio perdidos nesse aspecto, mas acho que, em breve, vamos chegar lá.

    A meu ver, isso só pode ser atingido com a valorização da individualidade, ou seja, do amor incondicional por nós mesmos, o que não significa que as pessoas devam se tornar egoístas. Muito pelo contrário: percebo que, quanto mais nos amamos, mais somos solidários e entendemos melhor as necessidades dos outros com o desprendimento necessário para tal. De fato, colocar tudo isso em prática é um trabalho difícil, mas não impossível.

    Beijos!

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  3. O quê que eu vou fazer pra te lembrar?
    Como tantos que eu conheço
    E esqueço de amar
    Em que espelho teu
    Sou eu que vou estar?
    A te ver sorrindo
    Mais leve que o ar
    Tão doce de olhar
    Que nem um adeus vai apagar.

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  4. Ehh! Esse vai ser meu primeiro comentário aqui no teu blog!
    Acho que a primeira coisa importante que devemos considerar é: Existem "diferentes" tipos de amor. Talvez o Amor da mãe pelo filho seja o único incondicional. O Amor entre um casal é algo muito diferente, creio eu. QUALQUER relacionamento é uma questão de trocas. Soa meio duro isso, mas é a mais pura verdade. Um companheiro pode amar e ser tolerante, mas se NUNCA receber algo em troca de sua companheira, é lógico que chegará a hora do rompimento. Podemos nos sacrificar e abrir mão de diversas bantagens em nome do amor, mas a verdade é que isso não parte de um "investimento futuro", que esperamos receber de volta em algum momento da trilha. Quando perdemos a esperança de que algum dia recebamos algum "dividendo", bem, dai não haverá amor que resista! Concluíndo: amor talvez seja o "nível de risco" ou doação que estamos dispostos a sacrificar até vermos algum retorno da cotraparte.
    Um abraço!
    Eduardo

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