Estar de férias é uma excelente oportunidade para fazer algo delicioso: assistir filmes durante a madrugada. Recentemente, assisti pela enésima vez um que simplesmente adoro: Beleza Americana (American Beauty, 1999, direção de Sam Mendes). Esse premiado filme retrata com maestria a vida de uma família americana de classe média que, para quem vê de fora, é extremamente normal. Aos poucos é que vamos descobrindo os conflitos de cada um de seus membros, em especial os de Lester Burnham, interpretado por Kevin Spacey. Ao conhecer a amiga da filha adolescente, sua derrocada se inicia. Não significa que tudo estivesse bem antes, muito pelo contrário. Na verdade, a atração que ele começa a sentir é um mero gatilho para que viesse à tona tudo o que estava submerso.
Existem vários diálogos memoráveis. Em um deles, Lester diz a um vizinho que a família dele não é normal, que todos apenas fingem ser um retrato de normalidade em prol das boas aparências. Tem uma cena em que a esposa dele, Carolyn (Annette Bening), pede a Lester, quando chegam a uma festa do trabalho dela, para que finja ser um bom marido. Assim, ela vai conseguir passar uma imagem de profissional bem-sucedida. É fingimento atrás de fingimento, máscaras sendo usadas a torto e a direito. Mais real, impossível.
Vocês imaginam que essa bela família está longe de ser "normal"?
Sempre varremos o pó para debaixo do tapete como uma forma de nos preservar e de conseguir sobreviver nesse mundo tão complicado. Assim como no filme, queremos sempre aparentar que estamos longe de ser desajustados, afinal de contas, desajustados são mal vistos, ninguém quer andar com eles. Então, acabamos adotando como nosso estilo de vida um padrão do que é considerado correto pelo senso comum.
É impressionante como estamos sempre cercados por esses modelos. Existe uma cobrança que nos chega através dos seguintes questionamentos: “quando você vai perder uns quilinhos?”; “quando é que você vai conseguir um trabalho que pague melhor?”; “quando vai arranjar um(a) namorado(a)?”; “quando vai casar?”; “quando vai ter filhos?” etc. etc. etc. E ai de nós se não nos adequarmos rapidinho ao que nos é solicitado. O mais incrível é que, na maioria das vezes, somos bombardeados com tudo isso sem ao menos termos pedido a opinião de alguém. Imagino como seria se pedíssemos...
Acho sensacional quando o personagem de Kevin Spacey liga o “foda-se” e começa a subverter toda a sua vida. Manda tudo e todos para aquele lugar e decide que não tem mais nada a perder. Na vida real, ações parecidas, caso não sejam muito bem estudadas, podem gerar danos irreparáveis. No entanto, acredito que seja possível acionarmos mais vezes esse botão no que diz respeito ao que desejamos verdadeiramente para nossa vida. Uma música que retrata bem isso é Solução, de Ed Motta, em especial os versos “viva a vida como quer viver/seja livre como Deus quiser” e “sua vida não pertence a ninguém/tente tudo para ser feliz”.
Essa música diz tudo: “os outros são os outros e nada mais”
É muito trabalhoso colocar tudo isso em prática, mas não custa tentar. Ora bolas, é muito exaustivo fingir. Estamos fingindo felicidade? Pra quê? Não é mais vantajoso lutarmos para sermos felizes de verdade?
É por tudo isso que Beleza Americana é um daqueles filmes que, em minha opinião, a gente não se cansa de assistir justamente por tratar de questões inerentes à vida de qualquer um. Há outro personagem chamado Ricky (Wes Bentley), vizinho traficante de Lester, que diz em uma cena que “há tanta beleza nesse mundo que quase não consegue suportar”. Fico preocupada com o fato de que estamos desatentos a essa beleza porque queremos nos encaixar em padrões que podem não nos satisfazer e nos afastar do que mais desejamos. Será que nossas máscaras estão dificultando nossa visão para o que há de mais belo na vida?