sexta-feira, 30 de abril de 2010

O fingimento nosso de cada dia


Estar de férias é uma excelente oportunidade para fazer algo delicioso: assistir filmes durante a madrugada. Recentemente, assisti pela enésima vez um que simplesmente adoro: Beleza Americana (American Beauty, 1999, direção de Sam Mendes). Esse premiado filme retrata com maestria a vida de uma família americana de classe média que, para quem vê de fora, é extremamente normal. Aos poucos é que vamos descobrindo os conflitos de cada um de seus membros, em especial os de Lester Burnham, interpretado por Kevin Spacey. Ao conhecer a amiga da filha adolescente, sua derrocada se inicia. Não significa que tudo estivesse bem antes, muito pelo contrário. Na verdade, a atração que ele começa a sentir é um mero gatilho para que viesse à tona tudo o que estava submerso.
Existem vários diálogos memoráveis. Em um deles, Lester diz a um vizinho que a família dele não é normal, que todos apenas fingem ser um retrato de normalidade em prol das boas aparências. Tem uma cena em que a esposa dele, Carolyn (Annette Bening), pede a Lester, quando chegam a uma festa do trabalho dela, para que finja ser um bom marido. Assim, ela vai conseguir passar uma imagem de profissional bem-sucedida. É fingimento atrás de fingimento, máscaras sendo usadas a torto e a direito. Mais real, impossível.















Vocês imaginam que essa bela família está longe de ser "normal"?

Sempre varremos o pó para debaixo do tapete como uma forma de nos preservar e de conseguir sobreviver nesse mundo tão complicado. Assim como no filme, queremos sempre aparentar que estamos longe de ser desajustados, afinal de contas, desajustados são mal vistos, ninguém quer andar com eles. Então, acabamos adotando como nosso estilo de vida um padrão do que é considerado correto pelo senso comum.
É impressionante como estamos sempre cercados por esses modelos. Existe uma cobrança que nos chega através dos seguintes questionamentos: “quando você vai perder uns quilinhos?”; “quando é que você vai conseguir um trabalho que pague melhor?”; “quando vai arranjar um(a) namorado(a)?”; “quando vai casar?”; “quando vai ter filhos?” etc. etc. etc. E ai de nós se não nos adequarmos rapidinho ao que nos é solicitado. O mais incrível é que, na maioria das vezes, somos bombardeados com tudo isso sem ao menos termos pedido a opinião de alguém. Imagino como seria se pedíssemos...
Acho sensacional quando o personagem de Kevin Spacey liga o “foda-se” e começa a subverter toda a sua vida. Manda tudo e todos para aquele lugar e decide que não tem mais nada a perder. Na vida real, ações parecidas, caso não sejam muito bem estudadas, podem gerar danos irreparáveis. No entanto, acredito que seja possível acionarmos mais vezes esse botão no que diz respeito ao que desejamos verdadeiramente para nossa vida. Uma música que retrata bem isso é Solução, de Ed Motta, em especial os versos “viva a vida como quer viver/seja livre como Deus quiser” e “sua vida não pertence a ninguém/tente tudo para ser feliz”.



Essa música diz tudo: “os outros são os outros e nada mais”

É muito trabalhoso colocar tudo isso em prática, mas não custa tentar. Ora bolas, é muito exaustivo fingir. Estamos fingindo felicidade? Pra quê? Não é mais vantajoso lutarmos para sermos felizes de verdade?
É por tudo isso que Beleza Americana é um daqueles filmes que, em minha opinião, a gente não se cansa de assistir justamente por tratar de questões inerentes à vida de qualquer um. Há outro personagem chamado Ricky (Wes Bentley), vizinho traficante de Lester, que diz em uma cena que “há tanta beleza nesse mundo que quase não consegue suportar”. Fico preocupada com o fato de que estamos desatentos a essa beleza porque queremos nos encaixar em padrões que podem não nos satisfazer e nos afastar do que mais desejamos. Será que nossas máscaras estão dificultando nossa visão para o que há de mais belo na vida?

sexta-feira, 16 de abril de 2010

Medo de Errar


Aqui em Porto Alegre, tem um lugar chamado “Boteco do Natalício”. Esse local é famoso por ter quadros engraçadinhos, que lembram os famosos ditados de para-choques de caminhões. Um deles diz o seguinte: “herrar é umano”. De fato, não há nada mais humano que errar, porque é errando que aprendemos a fazer o que é certo. Por isso, acho a cobrança excessiva pela perfeição um enorme contra-senso.
Lembro-me de situações, nas minhas aulas de inglês, em que certos alunos ficavam relutantes em formular frases ou em expressar opiniões com medo de que pudessem cometer erros. Sempre tentei (e ainda tento) encorajá-los a não ficarem se monitorando exageradamente, visto que o aprendizado não acontece dessa forma. É preferível ouvir o que eles têm a dizer, mesmo que ocorram erros gramaticais, a não ter acesso ao que eles pensam. Nessas horas, demonstrar que estão em terreno seguro e que confio neles é importantíssimo. Sempre tive a crença de que corrigir erros pode ser um processo conduzido aos poucos, sem traumas, sem dores, sem cobranças demasiadas e em um clima amigável.
Quando erramos, significa que tivemos coragem de ultrapassar a barreira que nos impedia de fazer alguma coisa. E, é claro, damos nossa cara a tapa. O mundo evolui em função daqueles que são corajosos o suficiente para não ficarem na inércia do apego ao que já está garantido e comprovadamente certo, terreno muito mais confortável.
A perseguição pela perfeição, creio, deve ter origem na nossa mais tenra idade, quando começávamos a nos dar conta de que, quando acertávamos, éramos recompensados e, quando errávamos, éramos punidos. Tirávamos dez na prova e ganhávamos um presente ou um elogio; éramos desobedientes e éramos colocados de castigo. Portanto, parece-me que a cobrança em acertar a todo custo acaba vindo de nós mesmos e se estende aos que convivem conosco.
Eu acredito que temos que fazer o que é certo, seja no trabalho, seja na nossa vida pessoal. O problema reside em querermos acertar sempre. Quem consegue tamanha proeza? Estamos, a todo instante, querendo ser exemplares: amigos exemplares, funcionários exemplares, namorados exemplares, filhos exemplares e o que mais vocês imaginarem. Bem, chega um ponto em que cometemos um deslize, afinal, não somos robôs.
Além do mais, quem foi que disse que o perfeito é melhor que o imperfeito? Tenho certeza de que todos nós já vivemos grandes momentos, realmente marcantes, e nem estávamos tão bem arrumados assim naquela ocasião. É bem comum até que o dia nem estivesse tão bonito. Ao passo que, às vezes, tentamos planejar tanto um evento para que ele seja perfeito que, no fim das contas, tudo acaba ficando plastificado demais e humano de menos.
Pode ser que o grande medo de errar resida no medo de sermos julgados. Ora, quando erramos, o outro está tendo contato somente com uma parcela nossa, mas nós somos muito maiores do que um erro. É por causa disso que julgar é muito perigoso. Se não quisermos ser julgados, não mais julguemos. Se quisermos perder o medo de errar, comecemos por aí. Ah, e não nos esqueçamos do bom humor, indispensável na superação das “pisadas de bola” que damos pela vida afora.
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