segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

"Os seus serviços não são mais necessários."



Hoje, volto a citar o filme Amor sem Escalas para falar de algo que, inevitavelmente, todos, em algum momento, enfrentarão. Tão certo como a morte e os impostos, o cartão vermelho em relacionamentos é algo que pode pegar muita gente desprevenida. A frase “your position is no longer available” (ao pé da letra, seria algo como “o seu emprego não está mais disponível”, mas, na verdade, a ideia é “os seus serviços não são mais necessários”) – dita pelo personagem de George Clooney, Ryan Bingham, às pessoas que estava despedindo – é bastante emblemática. As reações dos personagens que ouviam uma notícia dessas são bastante semelhantes às de quem recebe o tão famoso “pé na bunda”.
Variações de frases como “o que posso fazer para melhorar?”, “isso não é possível, dediquei anos de minha vida a esta empresa” ou ”vocês estão cometendo um grande erro” eram ditas por todos que estavam sendo dispensados de seu cargo. Declarações mais ou menos parecidas são feitas por quem está sendo dispensado em um relacionamento. Assim como é difícil ter que despedir um funcionário, também não é das tarefas mais fáceis informar a uma pessoa que a presença dela não é mais essencial. A “beleza” da coisa toda reside no fato de que, um dia, você pode estar despedindo alguém da função de namorada(o) e, depois, num belo dia, a(o) despedida(o) pode ser você.
 Bem, por já ter vivido os dois lados da história, posso dizer que foi muito mais doloroso ter de ouvir que “os meus serviços não eram mais necessários” do que dizer isso a alguém. É como se a casa caísse. A desproporção no que sentimos quando encaramos cada um desses dois papéis é realmente gritante, sem dúvida alguma. Rejeição gera desorientação, pois é muito difícil ficarmos 100% independentes em um relacionamento. A intimidade construída pelos laços afetivos deixa os referenciais sobre quem realmente somos meio distorcidos. Pode ser que isso ocorra porque nos mesclamos a outra pessoa através das famosas concessões. Admito que, muitas vezes, eu não gostava de deixar de assistir a algum programa “de mulherzinha” para assistir a um filme de que o meu ex gostava. Mas, então, eu pensava: “ah, tudo bem, é só por hoje, não custa nada...”. Porém, o tempo vai passando, a convivência vai aumentando e com ela as concessões vão se multiplicando. Incessantemente.
Enfim, são feitas tantas concessões que acabamos por nos distanciar de quem éramos quando o relacionamento iniciou. No meu caso, acredito que chegou um ponto no qual eu tenha ficado com medo de voltar a ser quem eu era de verdade por achar que a outra pessoa não se interessaria mais por mim. Tenho a sensação de que acabamos criando um personagem para agradar à pessoa que está ao nosso lado, por acharmos erroneamente que a conhecemos de verdade e, assim, achamos que sabemos o que ela quer. Além disso, acreditamos que essa pessoa sempre olhará para o futuro na mesma direção que a nossa, o que gera a criação de grandes expectativas sobre os rumos que a relação vai tomar (já fiz inclusive um post sobre o perigo das altas expectativas). Quando tudo isso é tirado de nós, é como se perdêssemos o caminho de volta para casa. Muitos questionamentos rondam a nossa mente, principalmente a pergunta “quem sou eu agora?”. Confesso que, nos primeiros tempos de readaptação à minha nova vida, eu me sentia meio manca...

Porém, se há desproporção no que sentimos quando terminamos ou somos terminados por alguém, também existe desproporção no sentido de que, quando somos terminados, ocorrem muito mais mudanças, principalmente de conceitos. A fim de conseguirmos seguir em frente, somos obrigados a enxergar o mundo de outra forma e a não nos negligenciarmos, seja deixando de fazer o que realmente temos vontade de fazer em um momento banal, seja deixando sonhos de lado somente para termos alguém ao nosso lado. Admiro muito quem consegue equilibrar de verdade o que deseja para si com as necessidades do outro. Acho que esse é o caminho para relacionamentos mais verdadeiros e espero chegar lá um dia.
No filme Amor sem Escalas, Ryan dizia aos demitidos que grandes impérios foram construídos depois que as pessoas passavam por situações como aquelas. Logo, é reconfortante saber que, nessas circunstâncias, podemos encontrar o elemento que faltava para impulsionar a conquista de algo que, por medo ou por comodismo, não era mais uma prioridade em nossas vidas. No fim das contas, fico feliz por ter conseguido resgatar a minha essência e, o melhor, por ter conseguido encontrar o caminho para aprender com os meus erros. Afinal, em matéria de relacionamentos, ambas as partes erram e acertam. O meu desafio, e acho que o de todos, é saber até onde podemos ir no terreno das concessões, para que não fiquemos desnorteados caso a história termine. Devo confessar que, de certa forma, sou grata por ter ouvido que “os meus serviços não eram mais necessários”, pois isso fez de mim uma pessoa melhor e mais solidária com todos. Além do mais, saber que eles poderão ser necessários a outra pessoa é muito animador...


Este texto também foi publicado no blog Corporativismo Feminino: 
www.corporativismofeminino.com/2010/03/os-seus-servicos-nao-sao-mais.html

domingo, 7 de fevereiro de 2010

Vida: sem escalas nem conexões

Neste mês de fevereiro, completo um ano de trabalho no Aeroporto Internacional Salgado Filho, em Porto Alegre. Minha função ali é fazer registros de manifestações dos problemas enfrentados por passageiros com as empresas aéreas. Já adianto que o propósito deste post não é detalhar o que faço, mas sim falar um pouco sobre o aeroporto, um lugar que envolve tantas esperanças por parte de quem chega e de quem parte. O fato de ficar parada em terra, apenas observando quem passa por ali, me dá outra perspectiva do que esse lugar representa: não é apenas o movimento que aparece, pois uma hora, inevitavelmente, parar se faz necessário. O filme Amor sem escalas (Up in the Air, 2009, EUA, direção e roteiro de Jason Reitman) aborda essa questão.



A história é sobre um executivo, Ryan Bingham, vivido pelo excelente George Clooney, que viaja de avião pelos Estados Unidos quase todos os dias do ano a fim de demitir funcionários de outras empresas. Logo no início do filme, vemos um homem decidido, seguro, que sabe muito bem o que quer da vida. Ir de um lugar ao outro é o seu combustível, é o que dá empolgação a ele. Além disso, um dos objetivos do personagem é acumular o maior número possível de milhas aéreas. Detalhe: só por prazer, sem que haja um objetivo maior para tal.

Não quero estragar o filme para aqueles que ainda não o assistiram. Por isso, comento apenas duas cenas muito parecidas, que mostram com precisão o que Ryan sente quando precisa ficar em terra, após terminar uma bateria de demissões. Vemos o desânimo estampado em seu rosto. É como se ele não enxergasse propósito em estar ali no seu apartamento quase deserto. Eu me identifiquei muito com esse simbolismo, pois é mais ou menos isso que sinto quando finalizo alguma etapa de minha vida para a qual eu estava me preparando muito. Quando o evento esperado já passou, toma conta de mim uma desorientação, uma sensação de não saber o que fazer. Porém, esse “buraco” desaparece quando parto para um novo projeto. Aí, as coisas mudam. Voltam o entusiasmo e a alegria de seguir adiante, o que ficava evidente com o personagem de George Clooney quando retornava ao avião.

Acredito que todos nós passamos por isso. É algo muito semelhante a estarmos com uma viagem marcada para um lugar muito especial. Assim, o dia em que ela vai acontecer de fato acaba virando um grande acontecimento. No entanto, tenho a sensação de que o envolvimento com os preparativos é, em alguns casos, mais interessante do que chegar efetivamente ao local desejado. Ou, como muitos já disseram: o barato está na própria viagem, e não em chegar onde se quer.

Talvez seja esse o motivo que faz do aeroporto um lugar de tamanha contemplação para nós e para Ryan Bingham: ele representa o caminho a ser trilhado, o novo, o diferente, a mudança. Será que o durante da viagem, não importa qual o tipo, é melhor do que viver o propósito desejado? Às vezes, fazemos apenas uma escala, uma parada estratégica em algum lugar para, em seguida, continuarmos naquela aeronave rumo ao destino final. Já em outras circunstâncias, temos que pegar uma conexão em determinado aeroporto da vida e partir para outro rumo em outra aeronave. Bem, talvez não importe muito como a viagem ocorra. Pode ser que o essencial mesmo seja nunca perdermos a curiosidade em saber o que nos espera, estejamos em movimento ou parados. Resta apenas não nos assustarmos com as turbulências no caminho (ou com os terremotos em terra).
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